Marcello Polinari, Curitiba 2007 A palavra patrimônio significa algo que pertence e identifica alguém, sua companheira é a palavra monumento que significa memorável. A idéia de patrimônio, de conservar e divulgar amostras de casas, parques, artes, documentos,..... pode remontar ao tempo dos faraós, aos relicários medievais, aos lugares sagrados de peregrinação. Porém começa a tomar a forma atual de um universo de coisas, conhecimentos e interações positivas a serem arroladas, conservadas, incentivadas e divulgadas com o aparecimento do estado nacional (povo/irmão, território, governo) na Idade Moderna. O patrimônio e os monumentos criados ou adotados pelo povo selavam a união dos governados por um governo que domina um território e uma população. No final do século XIX surgiu a idéia de modernidade como um mundo que passa tão rápido que não da tempo de senti-lo, percebe-lo em detalhes, cheira-lo, saborea-lo. Tudo mal surgiu já desapareceu ou virou lixo. Isto espantava aos viventes da época. Derrubavam avenidas, bairros inteiros para rapidamente erguerem novos ambientes, tudo mudava rapidamente para se tornar "produtivo", todos se sentiam desterrados pelo movimento rápido. Neste período, virada do século XIX para o XX criaram-se grandes parques nacionais, tombaram-se grandes monumentos, escreveram histórias nacionais para um estado nação e para criar um cidadão (homem comum/igual) deste estado. Monumentos duráveis identificavam e davam a sensação de continuidade em meio a tudo que se esvanecia, virava fumaça ao vento. Mas o que é um objeto de patrimônio, um monumento? A idéia de definir com uma só frase ou palavra exata o que algo é e tudo que ele não é torna-se muito difícil ao lidar com patrimônio. Um exemplo clássico que os antropólogos dão é a da machadinha de pedra sendo usada por uma população e a mesma machadinha guardada num museu. Em cada contexto a mesma coisa se altera pois as interações com ela se alteram os ícones, os signos, a linguagem funciona em seus usos como dizia Wittgenstein. Assim os objetos de patrimônio são valorados de modo diverso em cada dimensão interativa ou mais simplesmente em cada contexto. No Brasil também este binômio esquizofrênico surgiu: ser moderno mudar tudo e ao mesmo tempo conservar algo de bom do passado ou colocar este algo de bom no altar na nação para identificar os cidadãos a que este bem pertence. O bem, o patrimônio, o monumento identifica a quem ele pertence de modo semelhante a um crachá de uma empresa. Na década de 1930 surgem leis e decretos que permitem tombar coisas como bens de interesse publico, patrimônio publico. Destas leis e de quem as coloco em pratica herdamos alguns problemas práticos de classificação dos monumentos: Até onde algo considerado patrimônio estético/arquitetônico não é ou também é histórico e ambiental urbano? Até onde a documentação que tem como suporte o papel também faz parte do processo de construção de um ambiente e do próprio ambiente? Uma obra de arte é apenas arte ou também histórica? O que é uma arte aplicada? Para complicar mais, as palavras alteram seus significados através das décadas. A lei estadual que cria o serviço de tombamento, institui 4 tipos de livros e afirma que tudo que neles for registrado (leia-se tombado) esta sob a proteção do estado mesmo que sejam objetos de propriedade e domínio privado
. São eles o livro do patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagístico, o do patrimônio histórico, o livro tombo das belas artes e o livro das artes aplicadas Vamos fazer de conta que alguém entrou com um pedido de tombamento no protocolo geral da Secretaria de Estado da Cultura/Coordenadoria do Patrimônio cultural, o processo foi estudado por peritos, foi complementado com estes estudos, recebeu um parecer preliminar de que tem valor para toda a população paranaense, foi encaminhado para o Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado e assim sendo deve ser registrado num livro do tombo ou seja tombado. O objeto é uma casa de grande valor histórico e pouco valor estético arquitetônico onde, em que livro se registra isso? Outra hipótese, numa região houve um grande conflito de terras que foi importante para o território paranaense como a Revolta dos Colonos do Sudoeste. Lá existiram centenas de lugares que foram palco deste longo evento, o que tombar, o que monumentaliza como marca deste evento? Não se pode tombar tudo, tombamento, como digo, é exemplo, exemplar e amostral. O que se tombou, por opção consciente de criar um monumento, foi o local onde a revolta acabou, toubou-se a prefeitura que foi sitiada e, no dia, se transformou numa casamata ninho de metralhadoras. Como distinguir clara e unicamente se algo das belas artes ou das artes aplicadas em nossos dias? Como disse na década de 1930 artes (equivalia a conhecimento) aplicada se avicinava das engenharias da inventividade humana, não é somente a arte do belo mas o conhecimento belamente, genialmente aplicado, e hoje já não se usa este conceito de arte aplicada. Uma ponte tombada como obra da engenhosidade humana será registrada como arte aplicada , como patrimônio artístico? Veja que não existe um livro do "patrimônio arquitetônico" nem do patrimônio cultural" Onde enquadrar estas coisas serão partes de uma paisagem. Lendo os livros do tombo existem obras do engenho humano (artes aplicadas ) tombadas no patrimônio histórico embora não tenham sido palco de grandes eventos históricos. Isto não invalida o tombamento só leva a repensar os livros do tombo em relação ao conhecimento e interações dos viventes de hoje. A resposta esta na questão da abordagem predominante. Se algo é visto, abordado e tratado predominantemente por seu valor histórico, vai no livro tombo histórico, se é uma maravilha do engenho e arte (conhecimento) humano aplicado vai no livro das artes aplicadas, se é obra de um artista e seu intuito principal é estético vai no livro das belas artes, se é um sitio onde já foi uma aldeia ou cidade que desapareceu ou não vai no livro do patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagístico. Todos os objetos tombados tem algo de valor histórico, de artístico, de engenho genial humano, de natural mas a predominância de como esta sendo abordado no momento do tombamento é que vai dizer em qual livro do tombo (registro) vai ser assentado o registro dele. Isto não quer dizer que não se possa se enganar e registrar algo de valor histórico no livro das belas artes por julgar que predomina o valor artístico do objeto, isto não invalida o tombamento mas o torna meio esquisito. Bens patrimoniais, monumentos e seus valores




