PRÉ-SUPOSTOS CIENTIFICOS, A OBJETIVAÇÃO DO OUTRO

 

 

  Ciência e pressupostos não andam juntos.

 

            O longo de mais de vinte anos tenho visto vários pesquisadores, extencionistas, arte-educadores e outros caras pálidas revirarem a vida de quem não tem por objetivo acumular mas apenas viver o dia e quem sabe os próximos meses. Sim, é necessário que eles comam para que suas culturas tanto na dimensão material como na imaterial se perpetuem. Porém, vários profissionais, sem maior embasamento em história-antropológica partem de pressupostos salvacionistas, redentoristas como se fossem franciscanos ou madres Teresas que vão salvar pobres coitados.

            No afã de salvar acabam revirando a vida deles e os tornando ainda mais sem identidade pois,  o modo de vida (cultura) a que estavam acostumado, depois de tudo revirado não mais lhes serve e, para nossa sociedade, não estão preparados. Fabricar párias  sem querer é o que fazem estes “redentoristas”.

            Há mais de vinte anos alguns pré-supostos malditos se enraizaram mesmo dentro das academias que deveriam questiona-los. São eles: com turismo, artesanato e produção de ervas medicinais vamos salvar a “comunidade” tal.

            Disto decorrem varias mazelas: alem da perda dos saberes e fazeres tradicionais, via de regra também não conseguem vender o que tentaram lhes ensinar a produzir. Chegam a um ponto sem volta nem avanço. O resultado mais evidente é a fome e a dependência do bolsa família. Culturas são como delicadas orquídeas, difícil mante-las mas facilmente as destruímos com praticas erradas. Isto fazem os bem intencionados “redentoristas” de pobres povos caiçarenses faxinaleses, quilombolas e outros “enses” que inventarem. “Enses”, pois eles são renomeados e reenquadrados dentro de nossos pré supostos como outras coisas que prá eles, eles não são.

            Tem uma piada sobre o Garrincha que descreve estes caras. La vai: O treinador disse que Vavá deveria ir pelo meio, Pelé cruzar pela esquerda e Garricha estufar a rede do adversário. Então, Seu Manoel do alto de sua malandragem perguntou para o técnico: O time de lá já sabe disto? Eles concordaram? Vão deixar a gente fazer estas três jogadas?

            Seria cômico se não fosse trágico ver povos como grupos guaranis na porta da catedral tentando vender o artesanato que um redentorista disse prá eles que lhes daria o pão de cada dia. Ou ver um velhinho atravessar a baía de pinheiros e chegar com uma piroga lotada de vassouras artesanais de piassava e não vender uma, e chorar porque não tinha como dar de comer a sua família. Ou, ainda, um doutorando propor que índios deveriam criar paca (e implantar o projeto) porque paca é tão natural quanto os índios. Ainda bem que os índios, por séculos vacinados, comeram as pacas.

           Os pré-supostos recriam o outro como conhecimento falso e falso objeto a ser gerido porém que ao interferir na história material passam a ter o caráter de ente histórico ao modo de Gramsci, e podem detonar com comunidades e populações. A nossa visão a priori do outro é muito perigosa cultural e ambientalmente.

            Minha palestra visa trazer para o planeta Terra  estes avoados e bem intencionados que acabam se transformando sem querer em etnocidas. Sou movido pela seriedade científica e pela piedade cristã das vitimas destes “redentoristas’. A ignorância é o 8º sacramento mas mesmo assim mata.

 

            Existem outras formas

 

 

Marcello Polinari

Outubro,2010