FAXINAIS PARANAENSES/FAXINAL

FAXINAL, UM SISTEMA SOCIAL E ECONÔMICO.

 

Tenho por hábito começar textos com algumas definições e conceitos sobre o tema, para depois discorrer a respeito, “costurar as idéias e proposições”. Vejamos algumas citações sobre faxinal.

 

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Origem do nome

O nome "Faxinal" significa "campos abertos de matos curtos" Faxinal Palavra formada pelo termo “faxina”, acrescido do sufixo nominativo “al”. O termo “faxina” vem do italiano “fascina’’, designando região de campo, entremeada de arvoredo e trecho alongado de campo que penetra na floresta ou ainda campo de pastagem cortado por arvoredo esguio (mato ralo constituído de pinhal, taquaral, erval etc.). O sufixo “al” origina-se do latim “ale”, significando coleção ou quantidade [1].

 

 

Mário César Sebben (PR) em 28-06-2010

Faxinal: uma quantidade de terra que não era habitada e ainda sem proprietário, que foi conquistada por desbravadores. Cada um desses desbravadores fica com um pedaço dessa terra, mas não dividem as propriedades com cercas e todos criam seus animais soltos nas terras um dos outros, identificados pelas marcas de cada um [2].

 

Na região Centro-Sul do estado do Paraná encontra-se um sistema agrosilvopastoril tradicional, chamado de Sistema Faxinal. Este modo de uso da terra, de forma genérica, pode ser dividido em dois espaços se parados por cercas ou valos: as “terras de criar”, que são áreas de uso comum dos moradores nas quais se preserva  a Floresta com Araucária e onde se encontram suas casas e se us animais; e as “terras de plantar”, que se constituem em áreas de uso particular de cada morador, onde se desenvolve a agricultura de subsistência [3].

 

Origem dos faxinais.

            Faxinais derivam de tradições européias de bosques e campos de uso comunal, é muito possível que foram os jesuítas que trouxeram esta tradição de uso do solo e organização social da produção.

 

 

“Estes autores trazem o enfoque da construção do sistema através do processo histórico das experiências do cotidiano e das relações sociais como, principalmente, uma herança cultural da forma de ocupação da terra implantada pelos jesuítas espanhóis da parte ocidental do Paraná, ou seja, das reduções jesuíticas.

NERONE embasada em vários autores ibérico-europeus, salienta que o uso da terra nos faxinais não se constitui num modelo original brasileiro, sendo derivado de outras formações históricas. Ela mostra que as propriedades coletiva e individual aparecem paralelamente, podendo ser entendida como um fator cultural de cada povo ou época. Foi a insuficiência de pastos em propriedades individuais diante da necessidade de pastagens que levou ao uso comum das áreas, sejam elas sem donos (estepes do centro da Ásia), terrenos baldios ou ainda localizadas em pequenas propriedades particulares. Foi deste modo de uso que nasceu o modo de servidão designado “compáscuo”.

A Península Ibérica, que era habitada por povos autóctones conhecidos como Iberos e que após o ano 6000 a.C. sofreu invasões de povos de origem indo-européia, possuía modos de vida comunitários. Mesmo com todas estas invasões, segundo NERONE, as formas de vida comunitária mantiveram-se. A autora reforça esta questão ao falar sobre os romanos, povo que chegou na península por volta de 218 a.C.. Os romanos, cuja propriedade individual era a vila, quando invadiram a Península, não impediram, a manutenção da tradição com relação aos pastos de aproveitamento coletivo debaldios, compáscuos, além de outros direitos de fruição”. (NERONE, 2000, p.30 In: apud SHUSTER. W.T 2009)[4]

 

            Eu, pensando sistemas como dimensões interativas (Teoria do Caos) e em MOURA[5] , gostaria de classificar e dizer que um faxinal é um sistema econômico diferenciado internamente  que nas suas relações externas interage com o capitalismo. Porém dentro das ciências lineares e da economia clássica um faxinal não se enquadra no conceito de sistema econômico, principalmente por não ter um ordenamento jurídico reconhecido formal.

            Segundo Carlos Escóssia[6]
Um sistema econômico pode ser definido como sendo a forma política, social e econômica pelo qual estar organizada uma sociedade. Engloba o tipo de propriedade, a gestão da economia, os processos de circulação das mercadorias, o consumo e os níveis de desenvolvimento tecnológico e da divisão do trabalho.
De conformidade com sua definição, os elementos básicos de um sistema econômico são: 1) os estoques de recursos produtivos ou fatores de produção, que são os recursos humanos (trabalho e capacidade empresarial), o capital, a terra, as reservas naturais e a tecnologia; 2) o complexo de unidades de produção, que são constituídas pelas empresas e; 3) o conjunto de instituições políticas, jurídicas, econômicas e sociais, que constituem a base de organização da sociedade”.

 

Mesmo assim vou insistir que um faxinal é um sistema sócio-economico calcado no conceito de sistema.

Sistema :

Um sistema (do grego σύστημα systēma, através do latim systēma), é um conjunto de elementos interconectados, de modo a formar um todo organizado. É uma definição que acontece em várias disciplinas, como biologia, medicina, informática, administração. Vindo do grego o termo "sistema" significa "combinar", "ajustar", "formar um conjunto".

Todo sistema possui um objetivo geral a ser atingido. O sistema é um conjunto de órgãos funcionais, componentes, entidades, partes ou elementos e as relações entre eles, a integração entre esses componentes pode se dar por fluxo de informações, fluxo de matéria, fluxo de sangue, fluxo de energia, enfim, ocorre comunicação entre os órgãos componentes de um sistema.

A boa integração dos elementos componentes do sistema é chamada sinergia, determinando que as transformações ocorridas em uma das partes influenciará todas as outras. A alta sinergia de um sistema faz com que seja possível a este cumprir sua finalidade e atingir seu objetivo geral com eficiência; por outro lado se houver falta de sinergia, pode implicar em mau funcionamento do sistema, vindo a causar inclusive falha completa, morte, falência, pane, queda do sistema etc.

Vários sistemas possuem a propriedade da homeostase, que em poucas palavras é a característica de manter o meio interno estável, mesmo diante de mudanças no meio externo. As reações homeostáticas podem ser boas ou más, dependendo se a mudança foi inesperada ou planejada[7].

 

                Então temos que lembrar que até meados do século XX terras no Paraná não valiam quase nada e a burocracia e preço para registro delas era mais caro que as próprias terras. Assim, era comum áreas de posse (áreas que pertenciam ao governo e foram ocupadas por agricultores)  ou que tradicionalmente pertenciam a uma família e o titulo ainda estava no nome do tataravô ficando a área para uso comum dos descendentes. Isto gerou vários conflitos agrários entre posseiros sem titulo e grileiros que obtiveram o titulo da terra e tentaram expulsá-los. Ou seja: terras quase sem valor e documentos caros e complicados resultavam em áreas ocupadas sem titulo.

            A origem  do sistema produtivo sócio-econômico-ambiental dos faxinais, muito provavelmente tem origem na tradição medieval européia de uso comunal de bosques e pastos. Junto a casa ficavam os chiqueiros, galinheiros e cercados para a criação de pequenos animais para consumo como galinhas, porcos e ovelhas que via de regra eram  responsabilidade da esposa e filhos do agricultor.

            A área agrícola não era propriedade de ninguém, todos podiam fazer seu roçado, sua tigüera onde bem entendessem. Dificilmente a roça de milho e feijão de uma família ultrapassava dois ou três alqueires. Na agricultura, nos períodos de grande demanda de mão de obra como no plantio e na colheita, era comum o povo se organizar para ajudar o vizinho, eles chamavam isto de pixirão ou puxirão, mutirão.  A palavra pixirão provavelmente vem de peixe com pirão que era servido aos que ajudaram na roça da família em lugares próximos ao mar e rios. O agricultor convidava os vizinhos para lhe ajudarem a plantar e colher. No final do dia era normal um baile, um arrastapé, onde os donos da casa serviam um jantar para os convidados, normalmente de pequenos animais e raramente de um boi ou vaca. Alem da grande área de pastagem comunal também eram comuns os bosques de araucária que serviam de abrigo para os animais e fornecimento de lenha e madeira. A casa da família. Quando um casal de jovens se casava eles escolhiam um lugar “virgem” onde nunca foi construída uma casa.

 

            O conceito de propriedade.

O conceito de propriedade, tanto para os faxinalenses como para a maioria dos povos de subsistência[8], estava mais relacionado ao uso, aquilo que se está usando e não a um domínio atemporal via um documento. Então algo é seu enquanto estiver usando e estiver próximo de seu corpo ou sua casa. Porém, o gado vacum e cavalar era marcado nos faxinais e um vizinho avisava o outro se algum animal se desgarrasse muito. Dificilmente alguma família mantinha mais que 20 ou 30 cabeças de gado no  faxinal.  O fogo era um instrumento de limpeza do terreno depois da derrubada da mata para abrir área agricultável que depois de dois ou três anos era deixada para se regenerar (sistema de arroteamento).

Não usavam cercas, mas valetas faziam algumas demarcações de uso prioritário. Quando começaram a se relacionar com colonos europeus e seus decendentes no Paraná, os faxinalences falavam de “cercas espiritadas”. Eram cercas que durante as noites avançavam sobre a área comum (o comum)  reduzindo a necessária abundancia de recursos coletivos, na realidade era grilo de terras. 

Para os povos de subsistência, incluindo os faxinalences, é comum a crença que a abundância, a riqueza tem ligação com rituais mágicos e não com um processo de acumulação. Os povos de subsistência, não são “ecológicos” é que para compensar a baixa tecnologia, necessitam de grandes extensões de terra e mar com muitos recursos para poucas pessoas e necessitam regular a relação entre demanda e oferta abundante de recursos.

Faxinais  são um modelo  muito interessante para a agricultura familiar, poderia se conceder áreas para a vila rural e uma área de cultivo comum, a qual nenhuma família ou individuo poderia se apoderar legalmente.

Faxinais em extinção.

Como “o comum” como chamavam a área comunal, via de regra não tem registro cartorário,  vem sendo apoderado por vizinhos do faxinal e até por descendentes de faxinalenses que pedem usucapião e não querem mais viver no sistema comunal. Sem o pasto e o bosque comunal e o pixirão ou puxirão não existe faxinal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sugestões de leitura

 

Faxinal fonte: https://www.geografia.fflch.usp.br/inferior/laboratorios/agraria/Anais%20XIXENGA/artigos/Schuster_WT.pdf. Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014

 



[1]Faxinal Fonte   https://pt.wikipedia.org/wiki/Faxinal. Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014

[2] Faxinal  Fonte:  https://www.dicionarioinformal.com.br/faxinal/. Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014.

[3] Faxinal fonte: https://www.geografia.fflch.usp.br/inferior/laboratorios/agraria/Anais%20XIXENGA/artigos/Schuster_WT.pdf. Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014

 

[4] Faxinais, fonte: https://www.uff.br/vsinga/trabalhos/Trabalhos%20Completos/Wladimir%20Teixeira%20Schuster.pdf. Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014.

[5] MOURA, Margarida Maria. Camponeses. São Paulo. Ática, 1986

[6] Sistema econômico, fonte:  https://www.carlosescossia.com/2009/10/o-que-e-sistema-economico.html. Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014 .

[7] Sistema, fonte:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema . Capturado da internet por Marcello Polinari em 09/10/2014

 

[8] Povos de subsistência é uma categoria que cunhei para designar os povos que não visam a acumulação infinda e via de regra trabalham, não raro em comum, para subsistir a próxima estação ou até a próxima colheita ou período de abate de animais.