Patrimônio cultural, histórico

Patrimônio cultural, histórico, artístico, ambiental:Conceitos e Pesquisas

Marcello Polinari, Curitiba, 2007

Patrimônio significa algo que pertence a alguém. Portanto quando se diz que um objeto é patrimônio histórico, cultural, artístico, ambiental fala-se que algo que pertence a uma população.

A idéia é a de algo que pertence a toda uma população, portanto com ela se identifica e também é veiculo para identifica-la como um atributo, uma característica desta população. Assim um objeto tido como parte do patrimônio coletivo também identifica a aqueles a quem pertence ao passar a ser um atributo ou característica de identidade popular. Um exemplo é como quem diz: olha o João, - qual João, - o João do bosque, ou da casa velha ou o violeiro, ou o João da folia de reis... Assim o objeto que pertence a alguém, uma população "chamada João" torna-se parte desta população e a identifica.

Patrimônio e gregariedade social.

Existem coisas adotadas pelo povo como sendo dele como tradições, métodos construtivos, técnicas de pesca, receitas, cantorias, bosques, praças.... Este patrimônio é o patrimônio cultural, histórico ambiental não oficial pois o povo tem estas coisas como sendo deles sem que o estado oficialize com um tombamento. Espontaneamente, ou quase, o povo se apega a estes objetos e manifestações que tem como sendo de domínio e identidade comum a uma população estatisticamente identificável. Há também os objetos que são "colados" ao patrimônio histórico, cultural, artístico, ambiental coletivo. Esta cola se da pelo tombamento, por um ato oficial do estado que elege determinados objetos, que servem de exemplo pedagógico para educar o povo. Neste caso é o estado oficialmente dizendo que tais coisas são comuns a uma população e a identificam.

Os objetos e usos do patrimônio, espontâneo ou oficial e tombado alem de identificar tem a função gregária de amalgama social. Por exemplo: os cidadãos da cidade de Castro. A cidade de Castro é patrimônio coletivo de seus cidadãos e eles são identificados e unidos pelo fato de serem cidadãos desta cidade. Assim ser cidadão de Castro é motivo de união de gregariedade no que se refere aos assuntos de cidadania. O mesmo se refere a um símbolo como os egípcios e a esfinge, ou a um prato típico regional, ou a um casario, ou a uma tradição oral. A coisa, objeto patrimonializado coletivamente, identifica e agrega um povo ao redor dela. Portanto o objeto patrimonializado pode ser espontaneamente adotado pelo povo ou a ele indicado oficialmente como patrimônio coletivo através do tombamento, criação de parques, unidades de conservação...

A ação patrimonializante do estado.Quem leu Michel de Foucault viu falar muito mal do poder como repressor. Porém, também viu falar do poder como pastor que guia o rebanho, o poder educador, pedagógico. O estado que cria monumentos tombados para o patrimônio coletivo classifica-se na segunda manifestação do poder, o educador, o pastor, o guia, o pedagogo. Ele ao destacar um objeto entre tantos, ao eleger um objeto para ser um monumento tombado, patrimonializado distingue o objeto como algo bom e bem entre tantos outros. Esta escolha é a criação de uma amostra entre tantos objetos semelhantes. Assim tombar é distinguir, diferenciar criar oficialmente uma amostra que sirva de exemplo e represente outros objetos, coisas e interações semelhantes que sejam desejáveis pelo estado que educa, guia o povo. O estado que tomba um colégio entre tantos esta dizendo -Olha é legal construir colégios, freqüenta-los, dar educação para o povo através desta amostra tombada que é um instrumento pedagógico para guiar o povo, e diz : Povo faça igual ou semelhante.. O mesmo em relação a um casario com um dado estilo arquitetônico: – Olha tal estilo arquitetônico é legal é bom gosto é uma boa maneira de construir siga isso. A tal tipo de pintura, paisagem urbana ou rural, musicas, tradições que são oficialmente patrimonializadas num tombamento. O tombamento, a criação de um parque ou de uma UC unidade de conservação cria modelos a serem seguidos, ao tornar algo oficialmente um bem coletivo o estado também esta pedagogicamente dizendo: isso é bom siga faça igual ou semelhante. Todo tombamento é uma distinção amostral de um universo desejável de objetos, comportamentos, sentimentos, percepções, entendimentos e interações desejáveis. Esta amostra destacada, distinta positivamente como bem comum funciona como o avesso do castigo exemplar foucaultiano, ela é espetacular, publica, grandiosa marcante como o castigo publico porem visa incentivar comportamentos e interações desejáveis e assim exemplarmente, pelo avesso, coibir as indesejáveis. O tombamento educa o povo e serve de instrumento positivo de educação popular. Assim não é necessário conservar todas, as casas de tal época ou estilo, todos os bosques, todos os arquivos, todas as tradições, mas sim apenas algumas que sirvam amostralmente de instrumento pedagógico para guiar o povo para algo desejável tido como bom em direção a coisas que são consideradas como sendo o bem da e para a população. Assim muitas vezes o objeto tombado não interessa por ele mesmo mas sim por sua função num universo de objetos da mesma categoria e qualidade e por sua função de material educacional, pedagógico do estado. O objeto tombado, patrimonializado é só uma amostra funcional, pedagógica. Não estou dizendo que não se deva conservar estas amostras e outras coisas que não foram tombadas. Ao contrario, apenas digo que o que esta tombado é uma amostra do que é desejável produzir, reproduzir e conservar num universo de coisas, entendimentos, interações, de modo que se deveria conservar muito mais que esta parca amostra tombada. Além da função pedagógica incentivando a produção, reprodução e conservação de coisas semelhantes ao que foi tombado, o estado também tomba objetos que pedagogicamente digam publicamente que tal população tem semelhanças "fraternais" e formam o conjunto dos cidadãos, dos iguais de uma nação governada por este estado. Povo, território e governo formam a nação. Os objetos tombados servem de ícones da identidade e agregação deste povo, são uma espécie de cimento, amalgama produzida para que o povo se ache como um grupo com características comuns e cidadãos deste estado. Assim ao retirar nomes espanhóis de alguns lugares e colocar nomes lusitanos ou indígenas o estado esta criando características gregárias deste estado lusobrasileiro. Ao dizer que o pinhão é o símbolo dos paranaenses está se criando o povo paranaense em torno de algo que o identifica. Existe uma piada sobre os unificadores políticos da Itália que afirma que Mazini teria dito a Garibaldi: Pois é, Garibaldi, criamos a Itália (estado e território) agora precisamos criar os italianos (povo). O estado, ao enaltecer oficialmente, monumentalizar exemplar e publicamente coisas, tradições, hábitos comuns de uma população esta costurando ligações numa população por ele governada para com estas ligações construir o povo que habita um território e obedece a um governo.Monumento: Como vimos todo objeto, interação, conhecimento oficialmente patrimonializado como bem comum é uma amostra para uso pedagógico do estado pastor e guia. A palavra monumento significa literalmente memorável. Assim algo oficialmente monumentalizado serve para tornar algo coletivamente memorável e fazer com que o povo se identifique com esta coisa tombada como um objeto que lhe pertence. Monumentalizar, patrimonializar é criar objetos coletivamente memoráveis, que sirvam pedagogicamente para guiar o povo e agreguem uma população ao redor de alguns objetos, costumes, tradições, interações, entendimentos, de modo a ser um ato fundador, ato fundacional, que cria o povo de um determinado governo e território. Os objetos monumentalizados, patrimonializados também são pedras fundamentais, são atos fundadores de uma sociedade sob um dado governo. Velar e desvelar. Os historiadores há muito tempo sabem que sempre que, como num quarto escuro, quando se dirige o facho de luz da atenção para um objeto outros ficam na penumbra ou no escuro. Quando se fala ate a exaustão do Estado do Paraná, do Território Paranaense descendente de lusitanos paulistas, omite-se e vela-se que até há uns 100 anos boa parte do atual território paranaense tinha grande influencia espanhola e platina e torna-se quase impossível pensar um Paraná espanhol. O mesmo ocorre com os objetos patrimonializados e monumentalizados, eles valorizam algumas características estéticas, ambientais, históricas.... de um povo e ao fazerem isso omitem e até escondem outras indesejáveis. Assim como o elogio, pelo avesso, nega, vela, atitudes indesejáveis também o patrimônio ao desvelar afirmar que algo é bom e é um bem coletivo nega –vela- o que esta fora daquele universo amostral do objeto, interação, entendimento patrimonializado, monumentalizado. Diz-se que cada faraó que subia ao trono metia o cinzel nas pedras dos monumentos para apagar o nome de seu predecessor.Ou seja o patrimônio tombado, oficial, que desvela também vela tudo o que não interessa pedagógica, memorável ou gregariamente ao estado. Os funcionários do patrimônio não sabem o que fazem ? Não percebem?Sim os funcionários públicos sabem que servem a um estado e mais que ao povo que educam através da criação de objetos patrimonializdos e monumentalizados, sabem que constróem discursos estatais, percebem as relações e conscientemente constroem representações para a coletividade. Assim qualquer pesquisa que questione isso é perda de tempo...O conceito de percepção: percepção é como algo é para mim, é um apoderar-se de algo. Então estudar a percepção patrimonial, ambiental... é estudar como alguém, um grupo, uma população se apropria de algo e não estudar uma vesguisse, um defeito ótico, ou desvios do entendimento. E narrar uma apropriação, uma patrimonialização espontânea ou oficial. Muitas vezes o conceito de percepção é usado erradamente no lugar do conceito de entendimentos, interações diversas. Sugiro que a maioria dos pesquisadores, exceto estetas, lingüistas, semiólogos, ao invés de fazerem projetos sobre percepção ambiental, patrimonial... façam projetos sobre a diversidade de entendimentos e interações com os objetos do meio ambiente e do patrimônio histórico, cultural, artístico, natural assim não incorrerão em erros conceituais e descreverão diversidades interativas não como erradas mas como diversas pois não são juizes são cientistas. Ta bom por enquanto.