Patrimônio, dimensões interativas e seus valores.
As sociedades produzem a si mesmas, seus ambientes, seus valores, seus instrumentos de produção. Valor Etimologicamente vem do grego; Axios e do Latim, Aestimabile. Que quer dizer significação, não indiferença, estima. Daí vem à área de estudo da Filosofia denominada Axiologia, que investiga a questão dos valores humanos. Não vou me aprofundar numa teoria dos valores porque, desde Platão, muitos já fizeram isto e sim em seu relativismo dimensional. Basta dizer o que é conhecido: valores são relativos, mas a humanidade, para evoluir necessita de valores prétreos que a faça mais civilizada e menos animalesca. Então entramos no domínio da Ética, ramo da filosofia que estuda a moral, os costumes e teríamos que citar dezenas de clássicos que nos faria desbordar de nosso objetivo: os tombamentos e suas dimensões interativas e também propor uma política cultural descentralizada com independência e colaboração entre municípios e Estado.
Se pensarmos o universo e a ciência para além linearidade em dos silogismos simples teremos que ao menos nos enamorarmos um pouco da Teoria do Caos. Nela tudo está em movimento tudo existe e interage, tudo interfere em tudo. Os argumentos silógicos não funcionam para explicar fenômenos de maior complexidade que vão além de uma só dimensão. Não basta dizer : 1- SE tal coisa é assim. 2- Outra coisa converge ou diverge dela. 3- Portanto temos uma solução discursiva um argumento. No caso devemos ou não tombar algo. Poderia ser contado assim: um pedido de tombamento com o argumento: 1- Se tal coisa é valorada por quem solicita. 2- Esta coisa é ou não valorada por outros. 3- Portanto devemos ou não devemos tombar. A formula clássica é: se P, Então, Q. (1;2;3) passos de argumentação. Esta é a lógica linear. Mas para nossos dias ela esta um pouco fraca como base de argumento.
Convido o leitor a pensar o universo como um infindo movimento no qual ocorrem interações de tudo, desde energias, grandes massas de matéria, pessoas, grupos sociais, sociedades, civilizações que nascem, existem em alguma dimensão interativa e que se extinguem quase que por completo. Um infindo caldeirão em ebulição. Em cada dimensão há um ou mais atratores, lógicas, que ordenam, que agregam os elementos daquela dimensão.
Por exemplo:
Existem varias praias geográficas e existem varias praias sociais e históricas. Numas se reúnem os velhinhos aposentados, noutras os surfistas, noutras os farofeiros com suas tralhas guarda-sóis, noutras o povo que gosta de festa na rua, noutras os pescadores. O fazer festa na rua com carros em carreata com som alto é um agregador dos que gostam disto e que social e dimensionalmente formam aquela praia. O sossego do mar com pouca gente reúne os velhinhos e seus netinho até sem sol. O feriado e os vendedores ambulantes atraem todos os farofeiros com suas tralhas que se empilham nas areias de um feriado ou fim de semana prolongado.
Também existem fatores atratores e expulsores que ordenam bairros ricos, favelas, áreas antigas ainda conservadas de uma cidade, áreas abandonadas. Uma explicação e lógica linear não da conta disto. Um Se P, Então, Q. Para além de cada dimensão ou ordem interativa ela também interage com outras ordens segundo outros atratores e expulsores para ordenar organizar criar lógicas interativas dimensionais em escalas gigantescas e também mínimas.
O que perdemos e o que ganhamos com isto?
Se pensarmos tudo em escalas interativas npriais, vamos entender que para a população de um bairro, uma favela, uma praia, uma comunidade rural, uma cidade e suas interações, seu modo de existir algumas coisas fazem parte de sua lógica ordenadora agregadora e expulsora. Elas a distinguem, eu tenho tal coisa e vocês outros não tem. Os valores culturais tem disto, eles agregam (identificam) e distinguem os que são de fora, os que não os possuem ou comungam deles tornam-se distintos ou segregados. Eu e meu grupo social comemos macarrão e vocês não; nós temos um conjunto de casas antigas e você não; nós falamos tal dialeto e vocês não; nós formamos gangues de tais características em nosso gueto e vocês não.
O ganho de pensar patrimônio histórico/cultural como dimensões e a própria história e temporalidade como dimensões interativas é poder ser “cirúrgico” como um “míssil exocet”, não atribuindo valores genéricos a uma pequena população e ao mesmo tempo, como se tivéssemos uma grande lupa para observarmos as especificidades, as belezas culturais, os fatores agregadores e expulsores que a caracterizam. Se ganha em exatidão, em especificidade dimensional, em ver o que é desta dimensão e não de outra ou quais dimensões disto compartilham numa região, que é outra escala interativa dimensional. É um dar a César o que é de César.
Ok, e esta teoria aplicada a gestão do patrimônio cultural no que pode resultar? Pode resultar numa política cultural descentralizada e numa gestão democrática em que cada bairro tenha sua comissão de gestão cultural em sua associação de bairro; que cada município tenha sua autonomia para tombar casas, praças, bosques, acervos de arte, acervos de documentos, de fotos, e tudo que testemunhe os fatores gregários e mutáveis daquela cidade.
Numa nação ordenada administrativamente em republica federativa como a nossa, cada unidade da federação é uma dimensão de gestão do patrimônio histórico, artístico e cultural. Nestes territórios e para estas populações de cada escala administrativa da federação, existem interações e coisas que se relacionam com o passado da maioria da população da nação, o apenas de um estado, ou apenas de uma região, ou apenas de cidade, ou apenas de um determinado bairro.
Nem sempre os fatos históricos e culturais coadunam com o território da unidade administrativa federativa, são os fenômenos regionais. Porém, quase sempre é possível saber que um dado casario, chafariz, uma praça, conjunto de documentos escritos, fotos, obras de arte, tradições culinárias, danças, rezas (...) é ligado mais diretamente a uma dada população como dimensão interativa, mesmo que esta ultrapasse, um bairro, uma cidade e se espraie por uma região. Isto permite que uma associação de bairro tome providencias para sua conservação e divulgação; a secretaria ou departamento de cultura de um município ou a associação dos municípios de uma região promovam a conservação e divulgação de seu patrimônio histórico e cultural que lhe é dimensionalmente interessante, embora não seja interessante para todo o estado, toda a federação ou toda a população do planeta.
E a gestão cultural do estado?
Ao estado cabe o papel facilitador ao de gerir as coisas e interações que interessam a uma grande escala da população de seus cidadãos, ultrapassando a esfera municipal e regional. Também o estado, os municípios maiores e as associações de municípios têm recursos que as associações e municípios de pequeno porte não têm para manterem profissionais que lhes prestem assessoria. Historiadores, sociólogos, artistas plásticos, antropólogos, bibliotecários, para conservar bosques e florestas, arquitetos restauradores que não apenas assessorem, mas que também possam intervir, pois vários municípios não têm com pessoal treinado nem para solicitar ações de conservação do patrimônio e incentivo cultural.
Nunca podemos esquecer que cultura necessita de barriga cheia. É dificílima a conservação do patrimônio histórico e cultural em áreas de pobreza e em áreas onde não há emprego, onde a economia anda em decréscimo. Muitas vezes ajudar a produzir comida é a melhor forma de conservar o patrimônio cultural, especialmente o imaterial.
Conclusão.
Tudo pode ser pensado como dimensões interativas com suas especificidades e em eterna mudança. Para a gestão do patrimônio cultural em cada dimensão interativa é necessário ver qual a população que interage mais diretamente hoje e historicamente com o objeto que se pleiteia preservar por meio do tombamento.
Se alguém pede o tombamento de um chafariz em uma praça de uma cidade, ou uma árvore, ou uma praça, ou um casarão, uma planta industrial (...) para quem decide sobre o tombamento ou não, a pergunta é: e o que isto influenciou a história do Estado na arquitetura, artes plásticas, política, economia, religiosidade, urbanismo do Estado inteiro. Se a resposta que o objeto é de interesse para uma escala histórico/populacional local cabe ao município tomar medidas de conservação tombando ou não.
O tombamento de dezenas de imóveis pelo Estado é perigoso se o Estado não tiver condições de garantir a integridade do que é tombado porque isto desmoraliza a Lei 1211 de 1953 e a própria instituição que gere os bens tombados.
Marcello Polinari
Curitiba, 08/12/2014




