Um discurso sobre o discurso e arquitetura discursiva do patrimônio. Marcello Polinari Apoderar-se, predominar, distinguir, reafirmar que algo lhe pertence e tem sua imagem e semelhança, sua identidade. Esta é a idéia que subjas a todo discurso histórico e patrimonial pois, história e patrimônio são inseparáveis pois o pertencer, o identificar-se, o possuir o distinguir, necessitam de justificar-se no tempo social, regional e histórico. Assim como a história, discurso histórico das nações como estados nacionais, nasceu no século XVIII e XIX como "gegiste" que não tinha somente a significação de história, memória ou genese, mas sim de um compendio monumental e incalculável esforço de coleta e reunião de aspectos comuns que uniam e distinguiram um povo como nação e "seu" estado. Também os monumentos patrimoniais, herdeiros deste modo de produzir história, são justificativas monumentais da elite de uma população, no sentido de justificativas e exemplos grades, opulentos e memoráveis, preferencialmente tridimendionais, para um povo predominantemente analfabeto que tem no olhar e no toque tridimensional sua fonte de conhecimento. Deste modo, monumentos são como pantomimas sólidas, ou imateriais, que se reprisam constantemente para o povo reafirmando o discurso de quem, através dos monumentos ou objetos monumentalizados, diz que estes discursos, esteticas, valores, modos de pensar, agir e viver de um grupo são os padrões civilizatórios, históricos, culturais, ambientais e estéticos comuns de toda uma população que vai muito alem do grupo predominante. Ou seja, a verdade e os valores de alguns utilizam dos monumentos como mediadores e instrumentos "pedagógicos" da universalização máxima destes valores, padrões, modos de viver de alguns grupos... Um monumento é um exemplo a ser seguido como um farol que guia navios a um porto seguro. Monumentos são instrumentos pedagógicos universalisantes de valores, são instrumentos civilizatórios, que afirmam, distinguem e balizam o agir de uma civilização. Todo objeto (material ou imaterial) Patrimônio oficialmente consagrado, como uma carta ou um e mail é sempre uma mensagem, o discurso civilizatório de alguém para quem, a qual população? Patrimônio e identidade. Patrimônio pode ser visto e entendido como distinguir, orientar e pertencer. Mas este pertencer não é um pertencer como outro no qual o sujeito se apodera de coisas, é um pertencer que se refere a características, valores interações e atributos históricos, sociais, culturais, psicossociais, antropológicos, biológicos, ambientais comuns a uma população. Este é o significado especial da palavra pertencer ligada ao patrimônio, ela se refere a características que pertencem, distinguem e identificam uma população pela predominância destas características na maioria desta população. Ocorre que este pertencer, identificar, agregar e incluir também exige uma diferenciação em relação aos que não comungam da maioria destas características de modo a exclui-los, ou melhor distingui-los em categorias e classes de população devido aos atributos de civilização estabelecidos. Certos objetos, características (materiais e imateriais) são eleitas como boas a distinguem uma população e lhe serve de norte civilizatório. Assim o que pertence a uma população e a identifica, a distingue mas não pertence a outra população ou civilização que foi distinguida, "excluida". Por serem preexistentes, estas categorias de valores, interações e objetos, as elas formam um códice no qual as pessoas se moldam por adequação ou distinção "exclusão". Podem haver varias categorias de civilização coexistindo numa região pois, o que é padrão civilizatório não é total, é apenas um padrão de interação predominante, para a maioria. Esta intensidade da predominância cambiante é um dos motivos que endossa o método dos "arrolamentos periódicos de objetos de interesse, " bens", pois mesmo o conceito e entendimento do que é um bem civilizatório se altera com os quinquênios, décadas e gerações. Então patrimônio identifica, inclui e exclui pela maioria das características que pertencem e que não pertencem a um grupo de objetos e/ou a uma população. Ao comparar o que mais se assemelha e o que mais se distingue, identifica-se grupos de coisas ("bens" de alguém) e populações com características diversas. O patrimônio oficial estatal cria nos discursos, práticas e monumentos, cria o lugar social do bom, do bem, do regular (aceitável/passável) e do indesejável para a civilização como dimensões da mesma civilização, da mesma população . Ao fazer isso a ação patrimonial distingue grupos e dimensões interativas de uma população numa região. Assim patrimônio primeiramente cria quadros ideais, imateriais, distingue valores e correlatas praticas materiais de populações que se enquadram em maior ou menor escala, grau e intensidade percentagem de uma população estatisticamente identificável que se enquadra nestes padrões ideais e suas práticas. Deste modo a ação patrimonial, monumentalizante, oficial celebra e cria um território material e imaterial onde "habita o que é dado como bom e bem comum para servir de exemplo amostral para todos. Patrimônio é uma ciência? Há vinte anos, patrimônio era uma questão de preservar o que se pudesse de história, cultura e ambiente da racionalidade irracional de um sistema que tudo transforma em coisa, mercadoria e lucro. Há poucos anos patrimônio tende a se constituir como um ramo do conhecimento como a história da Europa ou a História Medieval. Muito disso se deve a tentativa de fazer com que patrimônio saia da alçada da história e da antropologia e vá para o seu lugar economicamente funcional, um conhecimento auxiliar do turismo. Fato é que, um tanto apartado da história, da antropologia, das artes e da biologia, o que era multidisciplinar esta se constituindo num discurso unificado sobre as coisas e interações que identificam culturas, grupos/populações com características histórico-culturais similares. Coisa semelhante ocorreu com o que chamamos hoje de história que passou a ser um discurso funcional e gregário dos estados nacionais. Quando os estados nacionais se organizavam, necessitavam de uma justificativa que dissesse que tal povo tinha características (pertenceres/bens comuns) que o agregavam e que o diferenciavam dos outros povos e populações e "deveriam" estar agregados entorno de um único governo. Nascia a história como modo de produzir cientificamente um discurso genealógico sobre o passado das grandes nações (que antes não existiam) e junto com ela nascia a historiografia que é uma história dos modos pensar e de produzir história. Coisa semelhante esta ocorrendo com o conhecimento patrimonial interdisciplinar que se aparta da história e de outras artes e ciências para se tornar uma "ciência auxiliar" da ‘turismologia" e mais adaptada as necessidades pragmáticas, comerciais e comerciais desta ultima. Em função disso estou cunhando o neologismo PATRIMONIOGRAFIA que é um discurso histórico, filosófico e metodológico sobre o discurso patrimonial, seus objetos ("bens") métodos e fontes, analisando-o, tentando entende-lo, aprimora-lo e denotando suas alterações e "escolas". A PATRIMONIOGRAFIA já está sendo produzida em teses de mestrado e doutorado como conhecimento apartado da historia e da antropologia, já existe um cabedal conceitual próprio, mas ainda não tinha sido batizada. É o que fazemos agora. A crise dos métodos científicos, da delimitação das coisas e da coincidência entre discursos e coisas, a dita crise epistemológica não deixou o conhecimento sobre patrimônio e os modos de produzir patrimônio (que chamo patrimoniografia) impune e imune a ela. Todo método cientifico necessita distinguir, separar e agregar coisas, universos amostrais/populações, interações e dar nomes a isso. Polinari em sua tese de doutorado em Meio Ambiente e desenvolvimento , após longo embasamento teórico, reafirma a necessidade de identificar amostralmente, estatisticamente universos, populações, onde coisas semelhantes acontecem e operam socialmente, sejam quaisquer objetos, edificações, interações materiais e imateriais, tradições, estéticas, bens culturais práticas ou valores e narrar com a melhor exatidão possível este universo/população e objetos materiais e imateriais da cultura não visando apenas descreve-los mas buscando descrever como interagem e interagiram. Patrimoniografia




