Patimonio conceitos e questões

Pensando e preservando mais alguns conceitos ambientais

Polinari, Curitiba, agosto 2007-08-28

Natureza natural, natureza natural cultual, pastel imbróglio? Posso estar enganado.

O conceito de natureza como o de outros objetos de estudo tem, no mínimo, duas faces, podendo apresentar outras em interelações diversas. A primeira a da coisa que ela é independente de nossa existência, a segunda o que ela é ou se torna na interelação conosco no sentido vulgar, uma terceira seria o que a coisa objetivizada como objeto de estudo e de um tipo de relação especial entre objeto e pesquisador.

Ou seja, não é somente a natureza que tem sua face material como processo vital, biomas, coisa em si e sua face construto discursivo sobre o que percebemos de um objeto existente em si e para nós. Ou seja, a natureza e outros objetos de pesquisa tem uma face material e uma face como produto cultural que tem um objeto sensível como base da percepção e discurso.

Se não existe não podemos perceber nem falar sobre ele a não ser que se encontre no reino dos mitos e fabulas pois signos representam estão no lugar de algo para que possamos usar deles como ferramentas para lidar com um objeto. Quanto aos mitos, coisas que não tem base real mas existem nas interações sociais, disse Gramsci em Os intelectuais e a organização da cultura: Todo ente mítico que interfere, atua, influencia as relações sociais passa a ter caráter de ente histórico real por interferir na sociedade tanto quanto um ente, um objeto material. Assim, a operacionalidade de algo imaterial também lhe confere realidade histórica e portanto social.

Todo objeto de pesquisa é um construto discursivo, é uma ferramenta de linguagem para lidar com algo. Em outro texto neste site já falei que, por vezes, quando se trata de um objeto de conservação (parque, tombamento, APA....) o discurso sobre a coisa se torna mais importante que a conservação e gestão direta da coisa "protegida" mas que na real só serve de base para dar materialidade a um discurso.

Então, todo objeto, inclusive uma grande área tombada é no mínimo uma coisa que existe por si só (em si), é algo que existe nas interações e no conhecimento popular, é algo que existe para (para si) nas relações com a elite pensante e questionante. Se for algo imaterial ou miticamente operando nas interações sociais e ou ambientais ele adquire características (por seus efeitos) de ente histórico, social, ambiental.

Um exemplo de mito que vi num programa de tv foi o de que caçadores de caranguejo no Japão não apanhavam uma espécie que na carapaça tinha toscamente traços que para os pescadores representavam a face de um samurai. Esta espécie prosperou nos nichos deixados por outras espécies intensamente capturadas. Aqui um mito operou na modelagem ambiental.

Outra questão fundamental na produção de ciência, é que produzir ciência significa indefinidamente questionar, metodicamente tirar conclusões duráveis e dar nome ao que se descobriu. Ou seja numa forma rude, dar nomes aos bois, distinguir é fazer ciência, este dar nome chama-se nominalismo que cria conceitos e categorias que distinguem em nosso intelecto as coisas e assim possibilitam interações diversas. O nominalismo distingue, é a peneira que junto com a pesquisa classifica e separa as coisas, os objetos pesquisados. Fazer ciência também é fazer com que haja a máxima verossimilhança entre o discurso e a coisa pesquisada, apropriada, percebida, dissecada, narrada e entendida. É buscar construir um discurso o mais exato possível verossímil com as ferramentas de linguagem que o pesquisador dispuser.

Bom e o que isto tem haver com os objetos de preservação, (parques, APAS, áreas e objetos tombados)?

Ocorre que parece que se perdeu a noção de que conceitos separam, distinguem para buscar a verossimilhança entre a fala e o objeto referente (base) do discurso. Por exemplo o conceito de cultura e o de natureza que por séculos foram excludentes. Natureza não e produto humano e cultura é.

Mas isto não é simples assim quando se trata de conhecimento popular ou cientifico. Ai surge uma natureza construída nos discursos, uma natureza que fica entre o natural ( aquilo que não é produzido) e o cultural, histórico, social, lingüístico e, portanto humano. Esta natureza é complexa ela tem sua face material que existe (em si) independente do observador, tem sua face relacional que faz com que ela exista para o observador popular ou douto, e ela é híbrida destes dois aspectos, ela tem base material e tem sua face como ferramenta de linguagem (nome, nominalismo, signos, e símbolos) que servem para interagir com o objeto e apoderar-se (per-cebe-lo).

Ocorre que alguns bons pesquisadores que entendendo este caráter no mínimo dual de um objeto de pesquisa, como coisa que existe e coisa que é referente, base de um discurso sobre ela, ao transporem este fato para estudar questões da natureza e ambientes ao invés de nominarem distinguindo e dando exatidão e verossimilhança a cada palavra conceito, fazem colagens de conceitos como "natural cultural" . Sim é verdade que quando um objeto é apropriado objetivado no discurso cientifico ele é coisa que existe e coisa apropriada capturada pelo discurso que é humano. Mas, no caso da natureza não convém destruir ao diluir e fundir dois conceitos como natureza e cultura num só balaio em que tanto a palavra, nome, nominalismo natureza perde sua característica exata de coisa não humana e a cultura deixa de ser a grande característica humana e cria-se assim uma quimera, algo que é metade arvore e metade mesa. Estas elisões, grudes, colagens de conceitos opostos diluem o poder da linguagem de ser exata em relação a algo.

A natureza é ela e é um dos milhares de referentes do discurso cientifico que objetiva, traz para o mundo dos jargões científicos, coisas que antes lá não estavam ou estavam de modo deferente antes da pesquisa.

Se existe uma natureza que é discurso sobre um dos milhares de referentes, assim como outros discursos sobre outros referentes que objetivam coisas (átomos, historias, artefatos, elementos químicos...) para o cientista não se pode fundir duas categorias para desexplicar um único referente. Fundir o conceito de natureza com o de cultura não é a solução pois assim perdemos duas ferramentas de linguagem que perdem sua exatidão, sua verossimilhança.

Seria melhor usar ferramentas da lingüística para distinguir com exatidão este referente híbrido do discurso cientifico ( mesmo que ele seja um bioma ou uma "natureza") e ao invés de dizer "natural cultural" dizer natureza referente de discurso pois assim tem-se o lado da coisa em si e dela apropriada no universo da linguagem cientifica. Se 3 palavras para definir algo é muito que se invente um neologismo que funcione nas interações da linguagem cientifica mas não de destruir dois conceitos/categorias como natureza e cultura tornando-as uma coisa só, um pastel um pastiche.

Vamos manter a natureza natural como coisa não humana ou pouco humanizada (influenciada pela civilização) e as coisas da cultura como coisas históricas fruto de civilizações. Sem distinguir minimamente o que é o que não conseguiremos distinguir agentes que interferem positiva ou negativamente na sociedade e na natureza pois tudo virou um pastel só, um pastiche. Assim a gestão ambiental será impossível. Linguagem é ferramenta, e linguagem cientifica é ferramenta de precisão como micrometros, torquímetros, microscópios. Não podemos perder conceitos consensualmente exatos por não criarmos novos conceitos frente a descobertas ou redescobertas como o de que a natureza é um objeto de ciência como outros, que ela existe independente de nós e existe nas interações (relações) conosco (para si) em instancias dimensões interativas diversas.

Justamente por serem dimensões interativas diversas

que a natureza ou outro objeto de ciência não se tornam o objeto/cultural, pois numa instancia ele é coisa que existe e potencialmente pode ser percebida, apropriada e trazida para o universo da linguagem cientifica e em outra dimensão interativa esta coisa foi objetivizada, apropriada pela linguagem ferramenta da ciência. São dimensões e instancias interativas diversas, numa ela é coisa potencialmente percebida e em outra ela já é objeto/referente do discurso cientifico, alho não é bugalho.

Tudo bem que se descubra ou redescubra que a natureza natural não existe na dimensão interativa para si, afinal o obvio não ulula, mas construa um novo conceito para falar isso, proponha um neologismo mas não destrua a exatidão da frágil linguagem cientifica pondo a perder dois conceitos que funcionam e servem para distinguir coisas para o intelecto e novos padrões interativos. Outra forma, se não quiser criar um neologismo, novo nominalismo para a "descoberta" é fazer minidiscursos como natureza referente de discurso, é mais claro e cientificamente verossímil

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Sobre a natureza, preservem os conceitos eles são por demais frágeis, não destrua os velhos crie novos conceitos e categorias. Outra, a natureza é apenas um dos milhões de referentes do discurso cientifico, não é a rainha nem a estrela deles. Via de regra se diz que o natural se opõe racional e não é dominado pelo racional. Assim, natureza e razão humana se oporiam, donde o que é natural não é humano e o que é humano não é natural, mas no humano sempre restará algo de natural e indomavel.

Posso estar errado mas tenho que falar e provocar debate que me aperfeiçoe.

Polinari