Patrimônio histórico, ambiental, natural, cultural, artístico... Será uma caixa preta?
Marcello Polinari, Curitiba 2007
Quanto ouvirmos a palavra patrimônio, necessitamos ter em mente duas idéias: a de algo que foi produzido por e para uma população e a idéia de algo que pertence a uma população e a identifica de algum modo. Portanto produto coletivo e veiculo de identidade através de algo que pertence a população. Porém, certa feita, veio me consultar um jovem mestre que iria lecionar a disciplina de patrimônio para uma turma de turismologos. Eu perguntei: o que você vai ensinar para estes piás? E perguntei sério. Na conversa vi que ele não sabia minimamente a diferença entre cultura material e imaterial ?????? Ele, ao tentar responder, falou de edificações estilos e estética, em no meio da conversa disse que patrimônio histórico, ambiental é uma caixa preta. Eu pensei São Mario Bunge nos proteja Bunge é um epistemologo. Vamos “dechavar” parte desta confusão, desta “caixa preta. Primeiramente, patrimônio não se restringe a edificações que são apenas uma parte uma das partes/dimensões da cultura material, o patrimônio cultural, histórico, ambiental esta ligado a todos os fazeres e produtos dos fazeres, práticas,conhecimentos e humanos coletivos. A lógica linear do é ou não é, não se presta para entender patrimônio pois patrimônio esta dentro da complexidade interativa dimensional, também chamada de teoria do caos. Portanto os estilos arquitetônicos, e as antigas edificações, são apenas uma gota d”água neste oceano de interações humanas múltiplas e estão mais próximos das questões ambientais urbanas que de abarcar da questão patrimônio. Então patrimônio esta dentro das lógicas complexas e não lineares. Contempla toda interação humana coletiva, inclusive e especialmente a produção de ambientes ao transformar biomas e interações sociais. O profissional que trabalha num órgão de patrimônio ( “0 Home que tomba”) tem ou deveria ter, consciência, de que esta construído um discurso amostral positivo que pedagogicamente incentiva o povo a seguir esta ou aquela pratica. O tombamento, mesmo sendo amostral, visa interferir positivamente na ética de uma população incentivando a proteger e reproduzir o que amostralmente foi tombado. Como será que trabalha o profissional de patrimônio, aquele que monumentaliza alguns exemplos como positivos e pedagrogicos para uma população, como trabalha “O HOMEM QUE TOMBA”? Por uns pensarem que patrimônio é o estilo esvoaçante ou não da saia de uma santinha barroca ou o rebuscado de um estilo arquitetônico e não o todo das interações humanas em cada época, não entendem a complexidade que é lidar com patrimônio cultural, histórico, ambiental e, ainda mais, que isso é feito sempre de modo amostral, não se tomba tudo. Cria-se ou se enaltecem exemplos positivos e espera-se que se generalizem na sociedade para que ela os adote, copie, proteja e reproduza. Sejam as receitas tradicionais, os vários registros do viver em sociedade, os conhecimentos, as relações humanas, o modo de organizar o trabalho e dividir a produção, o modo de reproduzir biológica e culturalmente uma sociedade, as afeições e ódios coletivos, a religiosidade, os ambientes produzidos moldados para o viver desta população... tudo isso é patrimônio/pertences, é o que pertence a uma população estatisticamente identificável. Outro equivoco, além de pensar que patrimônio é só prédios em pé, é pensar que cultura se resume a livros, escolas, espetáculos e shows. Estes são alguns veículos da socialização do conhecimento, partes da cultura de uma população mas não são a própria cultura. Eventos são instrumentos pedagógicos de ensino popular tanto quanto monumentos que passam valores positivos para o povo seguir, proteger, reproduzir. M. de Foucault ao seu modo e Gramsci de outro tratam muito bem disso, do pastorear o povo. Num órgão oficial de cultura tanto se faz espetáculos e eventos, que, diga-se de passagem aparecem mais politicamente num dado momento, e também se monumentaliza coisas da coletividade que ficam por indeterminado tempo como exemplo normalmente menos bombástico que um “EVENTÃO”. Porem ambos educam, pastoreiam o povo para a civilização, para as coisas tidas coletivamente como boas. Eventos causam grande impacto no momento, o trabalho com patrimônio causa impactos, suaves, constantes e profundos na sociedade, criam exemplos. Ambos recursos pedagógicos se complementam. O trabalho com cultura, historia, natureza, se aproxima ou deveria se aproximar muito do trabalho com meio ambiente pois ambientes são produtos culturais ao mesmo tempo com suas facetas materiais e imaterias. O “homem que tomba “ e os outros homens que fazem parques, APAS e outros monumentos tem os seguintes objetivos e métodos ao seu dispor: 1 LEVANTAR/ levantamento, arrolamento, descrição dos objetos de interesse, cultural, histórico, artístico, natural, ambiental de uma população e território. 2 CONSERVAR/ tomar medidas para a preservação do que é bom, ou do que é coletivamente considerado como bom. 3 INCENTIVAR/ Tomar medidas que incentivem a continuidade do que foi arrolado como patrimônio, bem de interesse coletivo. Isto seja feito a nível/dimensão de uma população, de um município, de um estado e, em casos de mudanças de hábitos ambientais a nível global. 4 DIVULGAR/educar para que a população desfrute do que é seu, conserve e reproduza. Como disse patrimônio não cuida só do passado distante, cuida que boas tradições atuais continuem acompanhar o que é bom como quem cuida de uma pequena chama para que ela não apague este é mais importante o trabalho cotidiano de quem trabalha no patrimônio e exige trabalho de campo. No divulgar necessito contar algo que ocorreu nas décadas de 1960 e 70 do departamento de Historia da UFPR. Na época eram jovens, hoje doutores aposentados e alguns que já morreram, estavam cheios de boas intenções ,queriam socializar, divulgar o conhecimento, o que faz parte do trabalho com patrimônio. Saíram pelo Paraná a fazer levantamentos dos tesouros documentais e culturais deste maravilhoso estado. Publicaram alguns relatórios. Ficaram pasmos que documentos históricos começaram a sumir, foram roubados. Assim pararam de publicar pois estavam dando o mapa da mina para ladrões de documentos raros. Moral da historia, divulgar sem antes tomar medidas de conservação é condenar ao desaparecimento aquilo que foi arrolado. Esta é a caixa preta do patrimônio, boa parte deste trabalho é “um trabalho de formiguinha” sem grandes eventos colossais, mas estes últimos complementam este trabalho.. Assim, patrimônio não é uma caixa preta, só e um tipo de trabalho com cultura que exige profissionais altamente qualificados, trabalho cientifico metódico de longa duração, um trabalho de estado e não de uma só gestão, porém se complementa com os trabalhos eventuais, e que normalmente fazem parte da política de uma gestão, mas que também ensinam o povo para a civilização.





